terça-feira, 8 de setembro de 2009

Intervenção do Estado na Propriedade privada - Prof. Alexandre Magno

1. Introdução
      O direito à propriedade é garantido constitucionalmente (art. 5°, XXII), mas não é absoluto, ou seja, não pode ser utilizado abusivamente, de modo a prejudicar os direitos alheios. Além disso, o proprietário, inserido no meio social, deve exercer esse direito de modo a beneficiar a coletividade. Por isso, a Constituição Federal estabelece, logo depois, que a propriedade deve cumprir sua função social (art. 5°, XXIII).
    Para evitar que a propriedade seja prejudicial a outros direitos, ou mesmo utilizada de modo que não seja abusivo, mas ineficaz para a sociedade em geral, é que o Estado, no exercício do poder de polícia, limita o seu exercício, estabelecendo obrigações de fazer (ex.: edificação compulsória), de não fazer (ex.: proibição de alterações nos bens tombados) e de suportar (ex.: utilização de propriedade rural para a passagem de fiação elétrica). Em casos mais extremos, a propriedade de um bem pode ser transferida para o Poder Público por meio de desapropriação ou de confisco.




2. Classificação dos instrumentos de intervenção do Estado na propriedade privada[1]



 Quanto ao motivo


*Intervenção sancionadora: a propriedade causa dano ao interesse geral, sedo necessário impedir esse uso nocivo, por meio de instrumentos repressivos. São eles: multa, interdição, destruição de coisas e confisco e perda de bens.


*Intervenção ordinatória: nesse caso, o direito de propriedade não é exercido abusivamente, mas pode ter uma utilidade que melhor atenda ao interesse público, ou seja, à sua função social. São previstos os seguintes instrumentos ordinatórios: ocupação temporária, requisição, limitação administrativa, servidão administrativa, tombamento e desapropriação.



2.2 Quanto à extensão sobre o objeto


*Intervenção limitatória (repressiva): compreende apenas algum aspecto do direito de propriedade, como a exclusividade e a disponibilidade. São previstos os seguintes instrumentos: ocupação temporária, requisição, limitação administrativa, servidão administrativa, tombamento, multa e interdição.


*Intervenção expropriatória (supressiva): atinge de forma completa o direito de propriedade, normalmente implicando a transferência do bem para o Estado. Existem os seguintes instrumentos: desapropriação, confisco ou perda de bens e destruição de coisas.




2.3 Quanto à abrangência



*Intervenção concreta: atinge um bem específico. Pode ser feita pelos seguintes meios: ocupação temporária, requisição, servidão administrativa, tombamento, desapropriação, multa, interdição, destruição de coisas e confisco e perda de bens.



*Intervenção geral (abstrata): estende-se a toda uma categoria de propriedades. A única hipótese é a limitação administrativa.
2.4 Quanto à onerosidade



*Intervenção gratuita: aquela que não implica ônus para o Estado. A intervenção geral sempre é gratuita.



*Intervenção onerosa: impõe, para o Estado, a obrigação de indenizar o proprietário pelos prejuízos causados. A intervenção concreta é onerosa, exceto quando for sancionadora.




2.5 Quanto à duração



*Intervenção permanente: prolonga-se de maneira indefinida sobre o bem. Quase todas as modalidades de intervenção são permanentes.



*Intervenção transitória: sua duração é limitada no tempo. Podem ser: a ocupação temporária, a requisição (somente de bens inconsumíveis) e a limitação (em alguns casos específicos, como o recuo[2]).



2.6 Quanto ao exercício



*Intervenção indelegável: somente podem ser executadas pela Administração Pública, Direta ou Indireta. Existem os seguintes instrumentos: requisição, limitação administrativa, tombamento, além dos instrumentos sancionatórios.


*Intervenção delegável: por ser instrumento para a execução de obras ou serviços públicos delegáveis, sua execução pode ser atribuída a um particular. Existem os seguintes instrumentos: ocupação temporária, servidão administrativa e desapropriação.



2.7 Quanto à executoriedade



*Intervenção autoexecutória: pode ser efetivada sem a necessidade de atuação do Poder Judiciário. Podem ser: ocupação temporária, requisição, limitação administrativa, tombamento, multa e alguns casos de destruição de coisas e de confisco.
*Intervenção não autoexecutória: somente pode ser efetivada com a atuação do Poder Judiciário. Podem ser: servidão administrativa, desapropriação e alguns casos de destruição de coisas e de confisco.



2.8 Quanto ao grau de sacrifício imposto




     De acordo com a intensidade, permanência e qualidade do sacrifício imposto ao direito de propriedade, pode ser estabelecida a seguinte gradação das intervenções ordinatórias, da menos para a mais gravosa: 1) ocupação temporária; 2) requisição; 3) limitação administrativa; 4) servidão administrativa; 5) tombamento; e 6) desapropriação.



3. Instrumentos de intervenção ordinatória


3.1 Ocupação temporária



    Ocupação temporária "é a forma da limitação do Estado à propriedade privada que se caracteriza pela utilização transitória, gratuita ou remunerada, de imóveis de propriedade particular para fins de interesse público" [3]. Como visto, a ocupação temporária é uma intervenção ordinatória, limitatória (repressiva), concreta, onerosa, transitória, delegável e autoexecutável. Ex.: ocupação de prédios particulares para a realização de serviços eleitorais; e ocupação de terrenos particulares
     A ocupação é prevista na Constituição no art. 136 - "§ 1º - o decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes: (...) II - ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes" [4].
     Também é permitida a ocupação temporária "que será indenizada, afinal, por ação própria, de terrenos não edificados, vizinhos às obras [públicas] e necessários à sua realização. O expropriante prestará caução, quando exigida" (Decreto-Lei 3.365/1941).
     A Lei 8.666/1993 prevê que, nos contratos administrativos, uma das prerrogativas da Administração Pública é "nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo" (art. 58, V). Nesse sentido, ver também o art. 80, I
     Finalmente, a ocupação é prevista na Lei 8.987/1995, ao determinar que, nas hipóteses de extinção da concessão, os serviços devem ser imediatamente assumidos, o que "autoriza a ocupação das instalações e a utilização, pelo poder concedente, de todos os bens reversíveis" (art. 30, §§ 2° e 3°).




3.2 Requisição



     Requisição é "a modalidade de intervenção estatal através da qual o Estado utiliza bens móveis, imóveis e serviços particulares em situação de perigo público iminente" [5]. Como visto, a requisição é um instrumento de intervenção ordinatória, limitatória, concreta, onerosa, transitória ou permanente, autoexecutória e indelegável.
     Está prevista em diversos dispositivos da Constituição Federal: a) art. 5°, XXV - "no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano"; b) art. 22 - "compete privativamente à União legislar sobre: (...) III - requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra"; c) art. 139 - "Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: (...) VII - requisição de bens".
     A requisição pode incidir sobre bens consumíveis e inconsumíveis. No primeiro caso, sempre dá direito à indenização, enquanto que, no segundo caso, a indenização somente é devida se for comprovada a ocorrência de dano. Essa indenização sempre é paga posteriormente, devido ao caráter emergencial da requisição.
     A requisição pode ser realizada em tempo de paz (espécie de intervenção no domínio econômico, prevista na Lei Delegada 4/1962 e no Decreto-Lei 2/1966) ou em tempo de guerra (prevista no Decreto-Lei 4.812/42).
     A requisição assemelha-se à ocupação temporária, uma vez que ambas afetam a posse do bem. Diferenciam-se, porém, quanto à situação condicionadora: a requisição é utilidade em situações excepcionais, emergenciais, enquanto que a ocupação é utilizada em situações normais. Além disso, a ocupação é delegável e a requisição, indelegável; a ocupação é sempre transitória enquanto que a requisição pode ser permanente. Finalmente, a ocupação sempre se refere a bens e a requisição pode incidir sobre bens e serviços.


3.3 Limitação administrativa



     Limitação administrativa "consiste numa limitação do regime jurídico privatístico da propriedade, produzida por ato administrativo unilateral de cunho geral, impondo restrição das faculdades de usar e fruir de bem imóvel, aplicável a todos os bens de uma mesma espécie, que usualmente não gera direito de indenização ao particular" [6]. Como visto, a limitação é uma intervenção ordinatória, limitatória, geral, gratuita, permanente, indelegável e autoexecutória. Ex.: limitação do direito de construir, denominada gabarito.
      A limitação administrativa distingue-se de todos de intervenção na propriedade, em vista de seu caráter único de generalidade e de gratuidade[7].


3.4 Servidão administrativa



     A servidão é um direito real constituído em favor de um imóvel (dominante) sobre outro (serviente). Esse direito possibilita a utilização do imóvel serviente em benefício do imóvel dominante. Ex.: estrada que percorre o imóvel A e dá acesso ao imóvel B é uma servidão do imóvel B sobre o A. A servidão privada está prevista nos art. 1.378 a 1.389 do Código Civil.
     Já a servidão administrativa "é o direito real público que autoriza o Poder Público a usar a propriedade imóvel para permitir a execução de obras e serviços de interesse público" [8]. Como visto, a servidão é um instrumento de intervenção ordinatória, limitatória, concreta, onerosa, permanente, delegável e não autoexecutável. São exemplos de servidões administrativas a instalação de redes de transmissão elétrica e a colocação de oleodutos e gasodutos em propriedades privadas.
    A servidão administrativa está genericamente prevista no Decreto-Lei 3.365/41, que dispõe sobre a desapropriação por utilidade pública: "Art. 40. O expropriante poderá constituir servidões, mediante indenização na forma desta lei". Apesar da redação sucinta, percebe-se que a servidão deve obedecer ao mesmo procedimento da desapropriação. Porém, ao contrário da desapropriação, a servidão geralmente não dá direito à indenização, exceto se causar um dano ao proprietário do prédio serviente.
     A servidão administrativa diferencia-se da ocupação e da requisição por ser sempre permanente e referir-se apenas a imóveis. Difere-se da limitação por ser concreta e permitir, em caso de dano, a indenização.



3.5 Tombamento


     Tombamento é "o ato administrativo pelo qual se declara o valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, cultural, arquitetônico de bens que, por isso, devem ser preservados" [9]. Como visto, o tombamento é um instrumento de intervenção ordinatória, limitatória, concreta, onerosa, permanente, indelegável e autoexecutável.
    O tombamento é previsto no art. 216 Constituição Federal: "§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação; (...) § 5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos". Além disso, União, Estados e Distrito Federal têm competência concorrente para legislar sobre "proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico" (art. 22, VII). A lei geral de tombamento é o Decreto-Lei 25/1937.
     Podem ser tombados os bens móveis e imóveis, desde que pertençam ao patrimônio histórico e artístico nacional ou sejam monumentos naturais. Esses bens podem pertencer a pessoas físicas ou jurídicas, regidas pelo Direito Público ou pelo Direito Privado. Porém, não podem ser tombados os bens pertencentes a pessoas jurídicas de direito público externo (países estrangeiros e organismos internacionais). Também não podem ser tombados os bens de origem estrangeira enumerados no art. 3° do Decreto-Lei (ex.: bens trazidos ao País para exposições comemorativas).



O tombamento pode ser:



a) de ofício: incide sobre bens públicos. Para produzir efeitos, é necessária apenas a notificação à entidade à qual pertencer a coisa tombada;


b) voluntário: incide sobre bens privados. Requer pedido expresso do proprietário ou concordância dele para a inscrição;


c) compulsório: também incide sobre bens privados. Ocorre no caso de recusa do proprietário à inscrição da coisa. Nesse caso, a inscrição somente é efetivada depois de um processo administrativo.



O proprietário do bem tombado fica sujeito às seguintes obrigações:



a) fazer as obras de conservação necessárias à preservação do bem. Se não tiver meios, deve comunicar ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN);


b) em caso de alienação onerosa do bem, dar preferência à aquisição, respectivamente, pela União, pelos Estados e pelos Municípios;


c) se o bem tombado for público, somente poderá ser alienado entre entes federativos;


d) proibição de demolir, destruir as coisas tombadas;


e) os bens móveis não podem ser retirados do País, exceto por curto prazo, com autorização do IPHAN, para fins de intercambio cultural;


f) sujeição à fiscalização do órgão técnico competente.



3.6 Desapropriação
3.6.1 Introdução



     Desapropriação é "o procedimento através do qual o Poder Público compulsoriamente despoja alguém de sua propriedade e a adquire, mediante indenização, fundado em um interesse público" [10]. Como visto, a desapropriação é um procedimento de intervenção ordinatória, expropriatória (supressiva), concreta, onerosa, permanente, delegável e não autoexecutória.
     A desapropriação está prevista em diversas passagens da Constituição Federal: art. 5°, XXIV (previsão de lei para a desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro); art. 182, § 4°, III (desapropriação por descumprimento da função social urbana); e art. 184 a 189 (desapropriação por descumprimento da função social rural). Este importantíssimo instituto é regulado principalmente pelo Decreto-Lei 3.365/1941 (desapropriação por utilidade pública) e pela Lei 4.131./1962 (desapropriação por interesse social).
    Nos termos da Constituição Federal, a desapropriação tem três fundamentos: necessidade pública, utilidade pública e interesse social. Porém, o primeiro fundamento, previsto no Código Civil de 1916, não foi previsto no código atual, havendo previsão legislativa apenas para os dois últimos fundamentos. A utilidade pública diz respeito à utilização do bem pela Administração Pública ou por seus delegatários. Suas hipóteses estão previstas principalmente no art. 5° do Decreto-Lei 3.365/1941 (ex.: segurança nacional, defesa do Estado e salubridade pública). Já o interesse social refere-se ao favorecimento de determinada categoria de pessoas que requerem especial proteção do Estado, ou, como dispõe o art. 1° da Lei 4.132/1962, "a desapropriação por interesse social será decretada para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao bem estar social". Nesta última categoria, estão incluídas as desapropriações para reforma agrária e urbana. Outras hipóteses de interesse social estão previstas no art. 2° da lei.




3.6.2 Normas genéricas a respeito de desapropriação (Decreto-Lei 3.365/1941)



     Competência para desapropriar. Apesar da competência para legislar sobre desapropriação ser privativa da União, todos os entes federativos podem desapropriar. Além disso, a desapropriação pode ser promovida por particulares, desde que haja autorização expressa, por lei ou contrato administrativo. Ex.: imissão da posse realizada por concessionária de serviço público.
     Objeto da desapropriação. Todos os bens podem ser desapropriados [11]: móveis e imóveis, corpóreos (coisas) e incorpóreos (direitos), públicos e privados. A desapropriação do espaço aéreo e do subsolo é medida subsidiária, necessária apenas se a utilização desses bens provocar prejuízo patrimonial ao proprietário do solo. Caso contrário, a intervenção será efetivada por meio da servidão administrativa. Bens públicos podem ser desapropriados, desde que exista lei autorizativa e obedecida a seguinte ordem: a União pode desapropriar bens dos Estados, Municípios, Territórios e Distrito Federal; os Estados podem desapropriar somente bens dos Municípios. É possível aos Estados, Municípios, Territórios e Distrito Federal a desapropriação de bens pertencentes a entidades privadas cujo funcionamento dependa de autorização da União, mas apenas se houver decreto autorizativo editado pelo Presidente da República[12]. 
    


 Abrangência da desapropriação: além do bem a ser utilizado para a obra pública, podem ser desapropriados também:


a) a área contígua, necessária ao desenvolvimento da obra pública;


b) as zonas que se valorizarem extraordinariamente em decorrência de obra. É a chamada "desapropriação por zonas", sendo que esses imóveis devem ser destinados à revenda.



Fases da desapropriação. A desapropriação realiza-se em duas fases:



a) declaração de utilidade pública, feita pelo chefe do Poder Executivo, por meio de decreto; ou pelo Poder Legislativo, por meio de lei;



b) acordo com o proprietário. Se não houver acordo, deve ser feito um processo judicial. O prazo para realizar acordo ou iniciar o processo judicial é de cinco anos. Se for ultrapassado, a declaração de utilidade pública caduca e somente pode ser renovada depois de um ano.


     Foro competente para o processo judicial. Em caso de desapropriação feita pela União, são foros competentes o Distrito Federal e a capital do Estado onde estiver domiciliado o réu. Se a desapropriação for realizada por outras entidades, o foro é o do local onde estiverem localizados os bens[13].
     Imissão provisória de posse "é a transferência da posse do bem objeto da desapropriação par ao expropriante já no início da lide, concedida pelo juiz, se o Poder Público declarar urgência e depositar em juízo, a favor do proprietário, importância fixada segundo o critério previsto em lei" [14]. Nos imóveis residenciais urbanos, a imissão é regulada pelo Decreto-Lei 1.075/1970. Não é necessária a citação do réu[15], bastando o depósito do valor fixado em lei e a declaração de urgência, que dá início ao prazo de 120 dias para a imissão.
     Desapropriação indireta ou apossamento administrativo: ato ilícito da Administração Pública consistente na tomada de posse de um bem sem o cumprimento dos requisitos constitucionais: declaração, de utilidade pública ou de interesse social, e a prévia indenização. Sendo bem afetado a um uso público, não há como reavê-lo, mas o antigo proprietário pode exigir o pagamento da devida indenização.



Procedimento judicial:



a) apresentação da petição inicial, que deverá conter a oferta do preço e será instruída com um exemplar do contrato ou do jornal oficial onde for publicado o decreto de desapropriação e a planta ou descrição do bem com sua confrontações;


b) recebimento da inicial, com a nomeação de perito da confiança do juiz;



c) imissão prévia na posse, se for alegada urgência e depositada a quantia determinada pelo juiz;



d) citação do réu[16], por mandado ou edital;



e) contestação, que apenas poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço. Qualquer outra questão, inclusive quanto ao mérito da desapropriação, de verá ser apresentada em ação ordinária;



f) homologação judicial, se houver concordância quanto ao preço;




g) apresentação de laudo pelo perito, se não houver acordo;



h) audiência de instrução e julgamento;



i) sentença, que fixa o valor da indenização, deve ser dada ao final da audiência ou depois de 10 dias;



j) apelação, com efeito simplesmente devolutivo, quando interposta pelo expropriado, e também com efeito suspensivo, quando for oposta pelo expropriante. Caso a Fazenda Pública seja condenada a pagar quantia superior ao dobro da oferecida, a sentença fica sujeita ao duplo grau de jurisdição, ou seja, o tribunal deve re-examinar de ofício a decisão judicial.



Verbas que devem ser incluídas na desapropriação:



a) valor do bem expropriado;



b) despesas acarretadas pela desapropriação, inclusive as relativas ao "desmonte e transporte de maquinismos instalados e em funcionamento" (art. 25, parágrafo único) e o salário do assistente técnico do expropriado (TFR, Súmula 69);



c) juros compensatórios[17]: destinam-se a compensar a perda de renda do proprietário. São calculados desde a imissão na posse, na desapropriação direta, ou desde a efetiva ocupação do imóvel, na desapropriação indireta (STJ, Súmulas 69, 113 e 114 e STF, Súmula 164);



d) juros moratórios: destinam-se a recompor a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão final de mérito (STJ, Súmula 70)[18]. Os juros compensatórios e moratórios são compensáveis (STJ, Súmula 12)[19];



e) correção monetária: atualização do valor fixado na avaliação, se a sentença for proferida depois de um ano[20];



f) honorários advocatícios: devidos se a Fazenda Pública tiver de pagar valor superior ao oferecido. Devem ser fixados entre 0,5% e 5% da diferença entre o valor oferecido pelo expropriante e aquele determinado na sentença[21].



     Tredestinação: é a utilização do bem para fins diversos daqueles para os quais foi desapropriado. Somente dá direito a indenização se o bem for utilizado de forma contrária ao interesse público. Em hipótese nenhuma, existe o direito do expropriado a reaver o imóvel. Porém, se a Administração Pública decidir alienar o bem desapropriado que sofreu tredestinação, o antigo proprietário tem preferência na aquisição do bem (Código Civil, art. 519). O retorno do bem ao antigo proprietário é denominado retrocessão.



3.6.3 Desapropriação para reforma agrária



     A desapropriação para reforma agrária, modalidade de interesse público, incide sobre imóveis rurais que não estejam cumprindo sua função social, que requer, pelo menos o atendimento dos seguintes requisitos, previstos no art. 186 da CF e regulados pela Lei 8.629/1993:


a) aproveitamento racional e adequado;


b) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;


c) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e


d) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.


     Existem, porém, propriedades rurais que são insuscetíveis de desapropriação para a reforma agrária, mesmo que não cumpram sua função social:


a) a pequena e a média propriedade rural[22], desde que seu proprietário não possua outra;


b) a propriedade produtiva[23].




     Como toda desapropriação, a indenização é prévia e justa, mas não é paga em dinheiro e sim em títulos da dívida agrária, resgatáveis em até 20 anos. Somente as benfeitorias úteis e necessárias[24] são indenizadas em dinheiro. Essa característica a torna bastante próxima de uma intervenção sancionatória.
     A competência para desapropriar por reforma agrária é da União, que deve, primeiramente, expedir um decreto declarando o imóvel de interesse social. A partir daí, a União pode propor, judicialmente, a ação de desapropriação, que deverá seguir o procedimento sumário previsto na Lei Complementar 76/1993.
     Aqueles que receberem imóveis rurais em decorrência de reforma agrária, serão beneficiários de títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo período de 10 anos. Além disso, devem assumir o compromisso de cultivar o imóvel, diretamente ou por meio de sua família.




3.6.4 Desapropriação para reforma urbana



     Também é possível a desapropriação de imóveis urbanos que não cumprirem sua função social, ou seja, que não atenderem às exigências fundamentais do ordenamento da cidade expressas no plano diretor. Está prevista no art. 182 da Constituição Federal e no art. 8° da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade). A competência para desapropriar bens urbanos é do Município.
     Caso o imóvel não tenha aproveitamento adequado, o Município pode impor, sucessivamente: parcelamento e edificação compulsórios; imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressiva no tempo; e desapropriação. Neste caso, deve se esperar cinco anos de cobrança de IPTU progressivo sem que haja o parcelamento, utilização ou construção no terreno.
     A desapropriação de imóvel urbano será feita com o pagamento prévio de títulos da dívida pública, cuja emissão deve ser aprovada pelo Senado Federal e com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais iguais e sucessivas, com incidência de juros de 6% ao ano e de correção monetária. O valor a ser pago na indenização deve refletir a base de cálculo do IPTU. O Município deverá proceder ao adequado aproveitamento do imóvel no prazo de cinco anos. Essa utilização pode ser efetivada pelo próprio Poder Público ou mesmo por particular, mediante indenização.
    


      A desapropriação para reforma urbana distingue-se daquela feita para reforma agrária principalmente nos seguintes pontos:


a) competência para desapropriar: União (reforma agrária) e Município (reforma urbana);


b) possibilidade de imediata desapropriação para reforma agrária e necessidade de medidas prévias para a desapropriação para reforma urbana;


c) utilização de títulos da dívida agrária para o pagamento da indenização na reforma agrária e de títulos da dívida pública para reforma urbana;


d) o prazo para pagamento da indenização no caso de desapropriação para reforma agrária é de 20 anos enquanto que na reforma urbana é de 10 anos;


e) todos os imóveis urbanos que não cumprirem sua função social podem ser desapropriados (depois dos procedimentos prévios), enquanto que é vedada a desapropriação de determinados imóveis rurais que não cumprem sua função social (cf. CF, art. 186).




4. Instrumentos de intervenção sancionatória

4.1 Introdução


     Enquanto os instrumentos de intervenção ordinatória são ordens dirigidas, de modo específico ou genérico, para proprietários de bens, os meios de intervenção sancionatória são penalidades aplicadas àqueles proprietários que descumpriram uma norma anterior. É "uma modalidade de intervenção concreta do Estado na propriedade e na atividade privadas, limitativa ou expropriatória, permanente ou transitoriamente imposta e indelegável, destinada a compelir remissos e infratores ao cumprimento de preceitos legais" [25]. Por exigência constitucional, a imposição de sanções deve ser motivada e precedida de ampla defesa, exceto em situações de urgência, nas quais o retardo na execução da medida possa causar prejuízos ao interesse público.




4.2 Meios de intervenção sancionatória



As principais sanções administrativas que afetam o patrimônio privado são:



a) multa: prestação pecuniária imposta àqueles que desobedecem às normas administrativas. Ex.: multa por excesso de velocidade no trânsito;


b) interdição: restrição ao exercício do direito de propriedade ou ao exercício de determinadas atividades. Ex.: embargos de obras que desobedecem as leis urbanísticas;



c) destruição de coisas: é a intervenção mais radical na propriedade privada, pois implica não apenas sua perda, mas também seu desaparecimento ou inutilização. Ex.: demolição de construções que ofereçam perigo iminente;


d) confisco ou perda de bens: transferência compulsória da propriedade. Distingue-se da desapropriação pela ausência de indenização ao ex-proprietário. Ex.: perda da propriedade rural onde se localizem culturas ilegais de plantas psicotrópicas (CF, art. 243).



5. Modalidades de intervenção previstas no Estatuto da Cidade


     O Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) define a política urbana do País, estabelecendo normas que regulam o uso da propriedade urbana em prol do interesse coletivo. Para isso, são previstos diversos instrumentos de intervenção na propriedade:


a) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios: lei municipal específica poderá determinar essas medidas para terrenos não edificados, subutilizados ou não utilizados. Imóvel subutilizado é aquele cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente;


b) IPTU progressivo no tempo[26]: caso sejam desobedecidas as medidas referidas anteriormente, a alíquota do IPTU deve ser majorada progressivamente no prazo de cinco anos até que atinja 15% do valor do imóvel;


c) desapropriação com pagamento de títulos: depois de cinco anos de cobrança de IPTU progressivo, sem que o proprietária tenha edificado ou utilizado adequadamente o imóvel, o Município poderá desapropriá-lo mediante o pagamento de títulos da dívida pública;


d) usucapião especial de imóvel urbano: requer a posse do imóvel pra moradia por, pelo menos, cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, desde que os possuidores não sejam proprietários de outros imóveis. Pode ser individual, para áreas ou edificações de até 250 m²; e coletiva, par áreas maiores ocupadas por populações de baixa renda, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor;



e) direito de preempção: "confere ao Poder Público municipal preferência para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares" (art. 25, caput);



f) outorga onerosa do direito de construir: "também conhecida como ‘solo criado', refere-se à concessão emitida pelo Município para que o proprietário de um imóvel edifique acima do limite estabelecido pelo coeficiente de aproveitamento básico, mediante contrapartida financeira a ser prestada pelo beneficiário"[27];



g) operação urbana consorciada: é "o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental" (art. 32, § 1°);



h) transferência do direito de construir: possibilidade, conferida por lei municipal ao proprietário de um imóvel, de exercer em outro local ou alienar o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação dele decorrente;



i) estudo de impacto de vizinhança (EIV): instrumento de avaliação do impacto de qualquer empreendimento ou atividade urbana na qualidade de vida da população residente na área e em sua proximidades;



j) plano diretor: "é o instrumento básico de da política de desenvolvimento e de expansão urbana" (CF, art. 182, § 1°). É obrigatório nas cidades com mais de 20.000 habitantes. Se a população urbana superar 500.000 habitantes, deve ser feito também um plano de transporte urbano integrado;



k) consórcio imobiliário: "forma de viabilização de planos de urbanização ou edificação por meio da qual o proprietário transfere ao Poder Público municipal seu imóvel e, após a realização das obras, recebe, como pagamento, unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas" (art. 46, § 1°).




Referências Bibliográficas:


[1] Cf. Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Curso de Direito Administrativo, p. 372-374.


[2] Recuo é "a anexação ou incorporação de uma faixa de terreno, de propriedade particular, fronteira ou adjacente a um logradouro público, ao mesmo logradouro, com a finalidade de se executar um projeto de alinhamento, ou modificar alinhamento já aprovado pela Prefeitura" (De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, p. 683).


[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, p. 120.


[4] Apesar da denominação "ocupação temporária", trata-se, na verdade, de requisição, uma vez que está presente a urgência típica desse instituto na expressão "calamidade pública".


[5] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, p. 746.


[6] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, p. 486.


[7] "A limitação administrativa ‘non aedificandi' imposta aos terrenos marginais das estradas de rodagem, em zona rural, não afeta o domínio do proprietário, nem obriga a qualquer indenização" (TFR, Súmula 142).


[8] Carvalho Filho, op. cit., p. 740.


[9] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno, p. 354.


[10] MELLO, 2008, p. 852.


[11] "As margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização" (STF, Súmula 479).


[12] "É necessária prévia autorização do Presidente da República para desapropriação, pelos Estados, de empresa de energia elétrica" (STF, Súmula 157). "Compete à Justiça Federal processar e julgar ação de desapropriação promovida por concessionária de energia elétrica, se a União intervém como assistente" (TFR, Súmula 62).


[13] "É competente o juízo da Fazenda Nacional da Capital do Estado, e não o da situação da coisa, para a desapropriação promovida por empresa de energia elétrica, se a União Federal intervém como assistente" (STF, Súmula 218).


[14] MELLO, 2004, p. 774. "Desapropriadas as ações de uma sociedade, o poder desapropriante, imitido na posse, pode exercer, desde logo, todos os direitos inerentes aos respectivos títulos" (STF, Súmula 476).


[15] "Não contraria a Constituição o art. 15, § 1º,do Dl. 3.365/41 (Lei da Desapropriação por utilidade pública)" (STF, Súmula 652).


[16] "Na ação expropriatória, a revelia do expropriado não implica em aceitação do valor da oferta e, por isso, não autoriza a dispensa da avaliação" (TFR, Súmula 118).


[17] "Na desapropriação, direta ou indireta, a taxa dos juros compensatórios é de 12% (doze por cento) ao ano" (STF, Súmula 618). "Na desapropriação para instituir servidão administrativa são devidos os juros compensatórios pela limitação de uso da propriedade" (STJ, Súmula 56).


[18] "Pela demora no pagamento do preço da desapropriação não cabe indenização complementar além dos juros" (STF, Súmula 416).


[19] "A incidência dos juros moratórios sobre os compensatórios, nas ações expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei" (STJ, Súmula 102).


[20] "Em desapropriação, é devida a correção monetária até a data do efetivo pagamento da indenização, devendo proceder-se à atualização do cálculo, ainda que por mais de uma vez" (STF, Súmula 561). "Na desapropriação, cabe a atualização monetária, ainda que por mais de uma vez, independente do decurso de prazo superior a um ano entre o cálculo e o efetivo pagamento da indenização" (STJ, Súmula 67).


[21] "Nas ações de desapropriação incluem-se no cálculo da verba advocatícia as parcelas relativas aos juros compensatórios e moratórios, devidamente corrigidas" (STJ, Súmula 131). "A base de cálculo dos honorários de advogado em desapropriação é a diferença entre a oferta e a indenização, corrigidas ambas monetariamente" (STF, Súmula 617). "Nas ações de desapropriação, computam-se, no cálculo da verba advocatícia, as parcelas relativas aos juros compensatórios e moratórios, devidamente corrigidas" (TFR, Súmula 141).


[22] De acordo com a Lei 8.629/1993, pequena propriedade rural é aquela com extensão de um a quatro módulos fiscais, sendo que a média propriedade rural tem mais de quatro e até quinze módulos rurais. A extensão do módulo rural varia de acordo com a região. Ex.: na Amazônia, pode chegar a 100 hectares.


[23] Mesmo essas propriedades podem ser desapropriadas por outro motivo de interesse social ou mesmo em razão de utilidade pública.


[24] Benfeitorias são quaisquer melhoramentos feitos em um imóvel. Benfeitorias necessárias são aquelas que evitam sua degradação e úteis são aquelas que melhoram o aproveitamento do bem.


[25] MOREIRA NETO, op. cit., p. 387.


[26] "É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana" (STF, Súmula 668).


[27] Cf. http://urbanidades.arq.br/2008/03/outorga-onerosa-do-direito-de-construir/. No mesmo site, é definido o coeficiente de aproveitamento básico: "índice que indica o quanto pode ser construído no lote sem que a edificação implique numa sobrecarga de infra-estrutura para o Poder Público".


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Autor: Artigo do Professor Alexandre Magno que gentilmente me permitiu publicá-lo no blog.

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